Na medida em que os entrevistados de “Guerra e Paz” não se focam sobre um aspeto em especial do exílio mas dão dele, sobretudo, uma visão panorâmica, diria curricular, as questões que acima aponto estão presentes no filme, mas só de passagem. Assim, se sabemos que a vida do militar implicava matar inimigos, já ficamos sem conhecer os inimigos que devia matar o exilado para sobreviver: a saudade dos parentes, amigos, país, etc.? A necessidade de aceitar o desconforto? A desclassificação social e económica quando se abandonou uma vida desafogada no meio familiar para se tornar imigrante, tantas vezes limpador de retretes/ homem a dias num país hostil? Se o soldado traz da guerra os seus traumas – e para sempre pode ficar seu refém - que dores causou afinal o exílio?
terça-feira, 29 de abril de 2014
"Guerra ou Paz é um filme necessário"
Foi com surpresa que recebemos este texto de Carlos Gouveia-Melo, escrito depois de ter ido ver o Guerra ou Paz. Agradecemos a gentileza ao autor.
A
propósito de “Guerra e Paz”, filme de Rui Simões
Sou parte interessada no filme “Guerra
e Paz” de Rui Simões (2012) e por isso tenho alguma dificuldade em falar dele a
qualquer nível. Gosto das suas imagens e concisão, da sua capacidade em findar
os testemunhos quando eles arriscariam a tornarem-se redundantes ou
“comoventes”, da multiplicidade de gente que entrevista – temos tendência para
ver apenas a cor europeia do exílio – da música com que nos desembala – isto é
– nos desenrola o filme - enfim, gosto,
sobretudo, de ouvir falar sobre um tema que se, igualmente o tratei a nível de
ficção (“Paulema”, Lisboa: Ed. Escritor, 2000), raramente vejo estudado: a
recusa da ida à guerra colonial portuguesa, o que isso significou.
Mas se tenho dificuldade em falar do
filme e perceber onde acaba e começa o meu interesse nele, de modo a inibir-me
o distanciamento, já não me coíbo de dizer que se trata de um filme necessário,
quer porque contribui para o estudo da história do colonialismo português, quer
porque é importante que se fale deste seu aspeto, tão fraturante na sociedade
portuguesa quanto o foi a partida dos que, aceitando o colonialismo,
participaram na guerra, regressando
destruídos psíquica e fisicamente.
Qualquer estudo sobre guerra implica
uma reflexão sobre o ser jovem num determinada época – a do conflito – e o que
isso significou em vidas que profissionalmente se iniciavam. Quais as
implicações de ter de abandonar o seu país sem possibilidade de regresso e, na
maioria das vezes, com escasso dinheiro ou nenhum? Que geração adveio daí? Que
acontece a gente que desta forma se torna adulta? Como isto se reflete na
relação com o Poder?
Na medida em que os entrevistados de “Guerra e Paz” não se focam sobre um aspeto em especial do exílio mas dão dele, sobretudo, uma visão panorâmica, diria curricular, as questões que acima aponto estão presentes no filme, mas só de passagem. Assim, se sabemos que a vida do militar implicava matar inimigos, já ficamos sem conhecer os inimigos que devia matar o exilado para sobreviver: a saudade dos parentes, amigos, país, etc.? A necessidade de aceitar o desconforto? A desclassificação social e económica quando se abandonou uma vida desafogada no meio familiar para se tornar imigrante, tantas vezes limpador de retretes/ homem a dias num país hostil? Se o soldado traz da guerra os seus traumas – e para sempre pode ficar seu refém - que dores causou afinal o exílio?
Na medida em que os entrevistados de “Guerra e Paz” não se focam sobre um aspeto em especial do exílio mas dão dele, sobretudo, uma visão panorâmica, diria curricular, as questões que acima aponto estão presentes no filme, mas só de passagem. Assim, se sabemos que a vida do militar implicava matar inimigos, já ficamos sem conhecer os inimigos que devia matar o exilado para sobreviver: a saudade dos parentes, amigos, país, etc.? A necessidade de aceitar o desconforto? A desclassificação social e económica quando se abandonou uma vida desafogada no meio familiar para se tornar imigrante, tantas vezes limpador de retretes/ homem a dias num país hostil? Se o soldado traz da guerra os seus traumas – e para sempre pode ficar seu refém - que dores causou afinal o exílio?
Esta
dimensão, a dor ou mal que o
exílio provoca no ser, surge referida,
por exemplo – mas não explicada – no caso da criança que vive o exílio “ao contrário”, isto
é, quando os pais, que permanecem no
estrangeiro, a enviam para Portugal, e de cuja criança se diz, sensivelmente, que
nunca recuperou da experiencia.
E os exilados? Recuperaram? Portugal
recuperou-os?
“Guerra e Paz” é um filme necessário,
pois edifica um dos tijolos da temática “recusa da guerra colonial portuguesa”,
indispensável à compreensão, quer da revolução de Abril, quer do sucedido
posteriormente.
Não é um menor atributo dos filmes de
Rui Simões (vd. “Deus, Pátria, Autoridade”) contribuírem para o esclarecimento
da história portuguesa mais recente.
Obrigado, Rui Simões!
Carlos Gouveia-Melo
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